No primeiro texto deste Blog contei um episódio ocorrido em minha primeira aula de Surf. Enfoquei, então, o aspecto da humildade. Mas o episódio também ilustra outro fator fundamental para o aprendizado: Confiança.
O caminho mais curto para aprender algo é encontrar um mestre. E a única forma de aprender com um mestre é confiar nele.
Este conceito é brilhantemente apresentando em um filme
marcante de minha época de adolescente: "Karate Kid, a hora da verdade". O protagonista, Daniel Larusso, está muito interessado em aprender Karate, e encontra um velho mestre desta arte que lhe fascina: Sr. Miyagi. Depois de muita insistência Daniel finalmente convence Miyagi a lhe ensinar. Mas a única condição do mestre é a confiança absoluta: "Você fará o que eu disser, sem questionar."
E Miagi passa a "torturar" sem dó o pobre rapaz, fazendo-o executar as mais diversas tarefas domésticas até a exaustão. Ou pelo menos é o que parece. Cada tarefa é explicada detalhadamente, o mestre corrigindo Daniel com rigor até que este entenda exatamente como deve executá-la. A seguir, o discípulo é obrigado a repetir a tarefa um número absurdo de vezes.
Assistimos ao rapaz entregar-se de corpo e alma ao estranho treinamento, até um dia em que sua confiança parece estar irremediavelmente abalada, e ele se revolta. Neste momento Miagi lhe revela o quanto o esforço está valendo a pena, o quanto Daniel já aprendeu, mesmo sem perceber.
Este gesto de entrega é tão fundamental para o aprendizado como raro. Observo muitos alunos não seguirem determinada orientação de seu professor porque "não entendem como isso vai ajudar". Ora, mas é claro que você não entende, por isso é que precisa do professor!
Lembro-me muito bem quando aprendi a técnica conhecida como "tartaruga", usada no surf para atravessar a zona de arrebentação das ondas, e que consiste em fazer uma rotação de 180º em torno do eixo do próprio corpo, juntamente com a prancha, segurando-a bem firme. Isto significa ficar completamente debaixo d'água, com as costas para o fundo do mar, e a prancha por cima com as quilhas para o alto. Após a passagem da onda, deve ser feita nova rotação de 180º para retornar à posição de remada (e o mais importante, voltar à superfície onde se pode respirar).
Mesmo tendo visto alguns surfistas executarem esta manobra com sucesso, eu era incapaz de realmente compreender como isso ia me ajudar a vencer a arrebentação. Mas, confiando em meus professores, comecei a treinar nas espuminhas menores... Depois de algumas tentativas, eu até conseguia segurar a prancha firme o suficiente para evitar que a onda a arrancasse de minhas mãos, mas o tempo que eu demorava para voltar à posição de remada era mais do que suficiente para a chegada da próxima onda...
Um dia, já depois de alguns meses treinando surf, estamos eu e um grupo de alunos da escolinha entrando em um mar com ondinhas um pouco maiores... Quase passando a arrebentação, acontece o que mais temíamos... Aparece uma onda das maiores no horizonte... O professor grita, o mais alto que pode: "TARTARUUUGAAAA!!"
Ao ver a montanha de água se aproximando, seu topo curvando-se ameaçadoramente sobre minha cabeça, todos os meus instintos de sobrevivência eram contrários à ideia de deitar-me sob a prancha a poucos centímetros da superfície esperando aquela água espumante decidir se ia apenas arrancar violentamente a prancha de minhas mãos ou se ia aproveitar para me "colocar na roda" também...
A parte mais apavorada do meu ser naquele momento gritava ansiosamente para que eu largasse a prancha para ser engolida ao bel prazer do monstrinho líquido espumante enquanto eu mergulhasse o mais fundo que podia para não "rodar"...
Uma parte mais sensata, porém, me dizia: "Em quem você acha que deve confiar neste momento, no surfista amador iniciante inexperiente Luciano, ou no seu mestre de Surf, com vários anos de prática e experiência?" A decisão era óbvia... respirei fundo, muito fundo, e quando estava prestes a ser engolido executei a melhor tartaruga que podia, segurando a prancha o mais firme possível... o golpe pesado da água sobre a prancha pareceu uma chicotada, e senti meu corpo, junto com a prancha, balançar e começar a ser ligeiramente arrastado em direção à areia... mas a onda passou; eu e a prancha ficamos. Segundos depois estava remando de novo... e finalmente entendi a tartaruga!
Fui capaz de remar por cima da próxima onda, antes de que ela quebrasse, algo que teria sido impossível se eu tivesse largado a prancha e mergulhado. Lição aprendida, a partir desse dia ultrapassar arrebentações ficou mais simples, e pude acessar ondas maiores, melhores e mais divertidas.
Sem a confiança em meu professor, eu não teria atravessado aquele tipo de arrebentação. Provavelmente não teria nem tentado. Eu não sabia que era capaz, mas ele sabia. Confiei nele, e passei a saber também.
Aprender exige confiança. Em quem você confia?
(Mais sobre isso em breve)
Luciano, sei que você posta seu comentário a essa hora aos domingos. Entã fica mais fácil acompanhá-lo de primeira. Está sendo, para mim, quase que uma obrigação semanal, mas sobretudo gratificante.
ResponderExcluirEsse meu comentário vai ser bem curto. Eu concordo com você em tudo, absolutamente tudo que escreveu. Mas, para mim, ficou uma pergunta intrigante no ar: como uma pessoa pode reconhecer em outra o mestre que ela precisa ou procura para desenvolver determinada habilidade que já possua de forma inata ou mesmo que não tenha a mínima noção?
Esxitem muitos, por aí, que se travestem de verdadeiros mestres, mas que não o são e enganam infelizmente muitos e muitos, que perdem preciso tempo acreditando nestes.
Espero um post seu que me tire essa dúvida, se você achar ser esse meu desejo possível. Ou seja, que realmente tenha uma maneira de não cair em contos do vigário nesse caso específico.
Tomara que seja possível, mestre! Que você me ensine uma maneira eficaz de detectar os verdadeiros mestres, aqueles que realmente estão preparados para ajudar seus discípulos.
Grande abraço,
Rufino Carmona
Belíssimo texto sobre um tema tão fundamental.
ResponderExcluirEm quem você confia? - em quem dá provas de confiança, dizem. Geralmente é algo que construimos com o tempo. Confiamos em quem podemos prever o comportamento e o bom julgamento.
No entanto, como ser humano que é, nem sempre o mestre pode estar em condições de exercer um bom julgamento e, nem por isso, deixar de ser de confiança.
Analisar a confiança é como analisar o poder: ninguém, de fato, o tem(é de) em essencia. Trata-se de uma característica atribuída, projetada. O poder/a confiança existem dentro de você mesmo!
Em seu texto você demonstra ter confiado no julgamento de seu mestre e, por isso, acredita ter conseguido realizar a manobra com sucesso, evitando ser engolido pela onda. Mas, se você tivesse errado a manobra, deixaria de confiar em seu mestre? Analisaria que seu julgamento não foi correto?
O mestre é apenas um ser humano e, em essencia, pode ser de confiança ou não, depende de seu momento interno, de sua capacidade de análise ou, ainda, da sua (do discípulo) maneira de interpretá-lo. A confiança não é um conceito tão idealizado ou característica absoluta de ninguém.
Acho importante evidenciar o que, no fundo, nós sabemos: o seu sucesso se deu, em realidade, pelo mecanismo inverso e/ou recíproco: você aceitou a confiança que seu mestre depositou em SUA capacidade de realizar tal manobra. No fundo, você, através de seu mestre, confiou em você mesmo!
O mecanismo de construção da confiança é sempre bilateral e envolve risco. Seu mestre confia em você, você arrisca, acerta... você confia em seu mestre.
Em Psicanálise costuma-se dizer que, a qualidade do "olhar" que os pais são capazes de oferecer a seus filhos, será o olhar fundamental com o qual estes últimos enxergarão a si mesmos. É o "olhar" inaugural do ser.
Em quem você confia, então? Em quem deposita a confiança em seu melhor lado; na prática, você confia em quem confia em você! - confiança gera confiança.
Quando o discípulo aceita este fato, ou internaliza este mecanismo, o mestre cumpriu sua missão.
Confiar nas pessoas é sempre bom, pois traz à superfície e revela o melhor de você mesmo.
Confie!
Gostei bastante desse!
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